domingo, 7 de fevereiro de 2010

Não seria mais fácil fazer como a Costa Rica, que atraiu liberalmente a INTEL para fazer seus chips lá?????


Economia

Os desafios de Herr Nein

No comando da estatal Ceitec, o "alemão que diz não"
à politicagem quer vencer no mercado de nichos para chips


Igor Paulin, de Porto Alegre

Mirian Fichtner
VAI FUNCIONAR?
O engenheiro Eduard Weichselbaumer, presidente da Ceitec: veto a indicações políticas

Não é só no Brasil que as empresas estatais carregam um histórico de ineficiência, compadrio e desperdício de dinheiro público. Caberá ao engenheiro alemão Eduard Weichselbaumer evitar que seja esse o destino da Ceitec, estatal criada pelo presidente Lula, no fim de 2008, destinada a ser a primeira fábrica nacional de microchips e inaugurada na semana passada. A própria escolha de Weichselbaumer para presidir a companhia, que fica em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, destoou da regra de lotea-mento político e locupletação. O governo montou uma banca de especialistas para avaliar o currículo dos doze pretendentes ao cargo. Ao saber que um estrangeiro era o mais apto, Lula torceu o nariz. "Não dá para ser um cara nosso?", indagou o presidente. Só sossegou depois de ser informado de que o alemão tinha raízes no país: já fora casado com uma brasileira, com quem tem um filho, e falava português. "Aí pode ser", topou Lula.

Weichselbaumer foi empossado um ano atrás. Há três décadas trabalha na indústria de semicondutores, os famosos chips, que fazem funcionar os equipamentos eletrônicos. Ele participou da fundação de quatro empresas, no Vale do Silício e também na Europa ("Três deram certo, outra não", reconhece). O engenheiro estava em férias, viajando pelo Pantanal, quando recebeu o convite. Na Ceitec terá duas missões: dizer não às ingerências políticas e torná-la rentável. "Não há cargos políticos aqui. Eu digo não a todas as tentativas", diz ele. O alemão vem recebendo apoio do ministro de Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, seu superior direto, e da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a quem recorre sempre que as coisas ameaçam desandar. Diz Weichselbaumer: "Ela dá retorno com rapidez e eficiência de CEO americano".

O governo colocou 400 milhões de reais no projeto. Embora a fábrica seja nova, seu maquinário, originário de uma doação, é antiquado. A tecnologia está defasada em duas décadas. Inicialmente, em vez de fornecer chips para computadores ou celulares, a Ceitec se concentrará em nichos de identificação por radiofrequência. A primeira leva de semicondutores a sair da fábrica, ainda neste ano, será de brincos de rastreamento do gado bovino. Chips para identificação de veículos e bagagens também estão nos planos da empresa, que tem capacidade para produzir entre 50 milhões e 100 milhões de unidades ao ano.

Esta não é a primeira vez que o país tenta reduzir sua dependência de microprocessadores importados. Houve tentativas nesse sentido ainda no governo militar. A mais desastrada delas foi a Transit, em Montes Claros, em Minas Gerais. Fundada em 1973, recebeu financiamento público que, em dinheiro de hoje, equivale a 350 milhões de reais. Sem nunca ter produzido nada em escala comercial, fechou as portas em 1982, em meio a chantagens e um escândalo de repercussão nacional. Que o "Senhor Não" ajude a Ceitec a escapar dessa sina.

Veja: Sem o dedo do estado. Shell e Cosan se unem.

Economia

Sem o dedo do estado

O anúncio da união entre Cosan e Shell foge ao figurino das
últimas grandes fusões no país - todas com a influência do governo


Renata Betti e Benedito Sverberi

Marco Alves/Ag. Globo
Petrobras na mira
Os dirigentes da Cosan e da Shell (à esq.): busca da liderança na distribuição de combustíveis


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Nos últimos dois anos, o estado patrocinou, direta ou indiretamente, as principais fusões de grupos empresariais na economia brasileira: Oi e Brasil Telecom, nas telecomunicações; Aracruz e VCP, em papel e celulose; em alimentos, Perdigão e Sadia, assim como JBS-Friboi e Bertin; Braskem e Quattor, na petroquímica. Na semana passada, o anúncio de que em 180 dias a anglo-holandesa Shell, a quinta maior petroleira do mundo, e a brasileira Cosan, a maior produtora global de açúcar e álcool, deverão concluir as tratativas para selar uma aliança foi uma exceção nesse panorama. Não houve nenhum tipo de interferência do governo no negócio. A união, aliás, teve entre suas motivações a necessidade das duas empresas de fazer frente ao gigante brasileiro dos combustíveis, a Petrobras, sobretudo no setor de distribuição. "Num mercado como o nosso, ocupado por colossos, esse tipo de parceria é essencial. Nós aceleramos os planos de internacionalização e a Shell entra com força no mercado de etanol", explica o diretor-presidente da Cosan, Marcos Lutz. A nova empresa nasce com 19% do negócio de distribuição no Brasil - que faturou 192 bilhões de reais no último ano - e com 4.500 postos de combustíveis espalhados pelo país.

O surgimento de um "neoestatismo" não está restrito ao Brasil. Sobretudo em países emergentes, e sobretudo em setores que demandam investimento maciço, o estado vem recobrando (ou reafirmando) o papel de agente econômico. O setor petrolífero é um dos melhores exemplos. Hoje, quatro de suas dez maiores empresas têm o estado no comando: as chinesas PetroChina e Sinopec, a russa Gazprom e a Petrobras. No ano 2000, só apareciam grupos privados nesse ranking. Diante desse novo desafio, líderes tradicionais como a Shell têm procurado aliar-se a projetos governamentais - como na sua parceria com a Petrobras em três plataformas de exploração na costa brasileira - ou assegurar a dianteira em áreas nas quais a briga ainda é viável. É o caso da distribuição.

No Brasil, dos quatro grandes setores que formam a indústria petrolífera, a Petrobras tem quase 100% de dois: produção e refino (os mais lucrativos, aliás). Na distribuição, a Petrobras domina 37% do mercado. Há algo como uma centena de distribuidores que batem de posto em posto para seduzir os donos a adotar sua bandeira - com muita lábia, facilidades de pagamento e outras políticas comerciais agressivas. As margens, apertadíssimas, giram em torno de 3%. "Essa é a área menos lucrativa e mais competitiva", diz Alísio Vaz, vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis (Sindicom). A tendência, no entanto, é que também aqui haja concentração ao longo dos próximos anos. "Esse processo já está em andamento", diz a analista Amaryllis Romano, da Tendências Consultoria. Em 2007, a Petrobras e o Grupo Ultra - então estreante nesse mercado - dividiram, entre si, os ativos da rede Ipiranga. Um ano depois, o Ultra também comprou, dessa vez da americana Chevron, os postos Texaco. Do zero, em três anos, o grupo passou a ter 19% do setor - a mesma fatia conquistada pela Cosan-Shell.

Quando se põe a lupa sobre uma das subdivisões do setor de distribuição, aquela que lida com o etanol, observa-se que a disputa é mais equilibrada. Cosan-Shell, Petrobras e Ultra têm cerca de 20% cada um. É esse segmento também que mais cresce. Entre 2002 e 2008, a venda de etanol subiu quase quatro vezes, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP). O aumento no consumo de gasolina e diesel não passou de 20%. Foi justamente por causa do etanol que a Shell procurou a Cosan. Unindo-se a ela, saiu do campo da pesquisa e dos pequenos negócios em biocombustível para ter uma operação de grande porte. "O álcool de cana-de-açúcar é um excelente negócio porque é sustentável, tem escala, é comercialmente viável e não compete com alimentos, como o milho nos Estados Unidos", diz o presidente da Shell no Brasil, Vasco Dias. O etanol, na verdade, é muito mais que um "bom negócio": é unânime a ideia de que o futuro das velhas petrolíferas passa pelo investimento em fontes renováveis de energia. Quanto à Cosan, o principal interesse na parceria com a multinacional era acelerar sua internacionalização. "A Shell tem 45.000 postos em 100 países. Nesse quesito, é a maior do mundo. Nada melhor do que unir o útil ao agradável", comemora Marcos Lutz.

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